Na história em quadrinhos da Marvel lançando na França, o mutante de 3 garras, o famoso Wolverine vem dar um tempo em Fortaleza, passar umas férias, "esticar os cambitos", como se é acostumado falar por aqui, porém nesse "rolé" o nosso herói acaba no Grande Pirambu, logo aqui, "nazaria", a favela de maior concentração urbana do Brasil, com 350 mil pessoas. Num enredo que envolve divindades do candomblé e homens do Esquadrão da Morte, o mais durão dos X-Men vai deparar com a vida de meninos de rua. Primeiro, encrenca com eles: tem sua moto roubada ( algo comum aqui em Fortaleza). Depois, passa a considerá-los seus amigos.
Wolverine também se apaixona por uma brasileira com poderes divinos que conhece durante uma festa de Iemanjá.
Nessa história de Jean-David Morvan e traço de Phillipe Buchet, a HQ Wolverine: Saudade trouxe o mutante canadense para nada mais nada menos que o Pirambu, em Fortaleza.
A HQ WOLVERINE – SAUDADE – Edição trata-se da aventura inédita do herói mutante no Nordeste brasileiro! Logan está visitando o Brasil de férias, mais precisamente em Fortaleza. Mas seu passeio de lazer chega ao fim quando Charles Xavier solicita que ele investigue o surgimento de um novo mutante. Agora a dura realidade das favelas brasileiras arrasta o mais popular dos X-Men a um turbilhão selvagem do qual ele não sairá ileso. Entre crianças de rua, muito jovens para serem penalizadas pela lei, esquadrões da morte, um terrível curandeiro e uma estranha divindade local, Logan terá de se render a evidência: no país do samba a vida humana vale pouco e a paixão permanece a flor da pele.
A história de 2006, portanto, foi escrita antes do quadrinista conhecer a "Terra da Luz". Segundo Morvan, a inspiração veio de um de seus cantores favoritos, o também francês Bernard Lavilliers.
Apaixonado pelo Brasil, o intérprete tem entre seus sucessos uma canção chamada Fortaleza e outra conhecida por Saudade – pano de fundo e título da HQ estrelada por Wolverine. Sabendo da cidade, uma busca no “google” por “Favela + Fortaleza” o fez entrar em contato com aquela que é apontada como uma das maiores favelas do mundo, o Grande Pirambu e seus 400 mil habitantes.
Morvan não é um turista como qualquer outro. Fotógrafo, ele viaja o mundo procurando o lado belo da vida difícil de comunidades pobres. “Eu não sei por que, mas favelas me atraem. Não é a violência, mas as pessoas de lá”, explica o quadrinista, acolhido por moradores do Pirambu na visita.
Após conhecer um pequeno pedaço dos quilômetros de Pirambu, o sorridente francês é taxativo. “Eu tentei dar uma visão positiva da favela, mas vejo que o background é diferente. Queria também mostrar o papel do Instituto Nova Jerusalém – aqui, a Igreja realmente faz diferença, ao contrário da França”, diz, apontando que o principal “erro” dele e de Buchet foi ao retratar os carros da comunidade. “A gente pensou em carros mais antigos, como em Cuba ou na Argentina”, desculpa-se.
Os veículos e o chão de terra batida são frutos da principal influência artística para a criação do Pirambu fictício: o filme Cidade de Deus (2002), de Kátia Lund e Fernando Meirelles. “Quando você vê falarem de favela na TV, é só violência. Acho que não é só isso – as pessoas têm mais medo do que são agressivas”, defende.
Segundo Morvan, que visita favelas e subúrbios pobres no mundo todo, o Brasil tem como diferencial o calor de seu povo. “Eu fui em Buenos Aires (Argentina) e todo mundo parecia muito triste, sofrido. Aqui, mesmo dentro da miséria, a gente vê felicidade”, ri-se o francês.
Sobre o Ceará, Morvan admite a surpresa por ter visto pouca população negra – principalmente após ter visitado Salvador (BA) – e garante que guarda uma missão para a próxima vinda. “Eu li recentemente Os Sertões, do Euclides da Cunha, e quero muito ir ao Sertão”, admite o turista que visita aqueles lugares onde gringo não vai.
VÍDEO DO AUTOR DO QUADRINHO DO WOLVERINE NO BAIRRO PIRAMBU
Desde a década de 1940 a organização dos trabalhadores já era visível em nosso país, principalmente após a derrota do Nazifascismo e do fim do Estado Novo. Fatos que permitem a emergência de um sistema liberal, onde passou a predominar um estilo democrático e representativo de governar, com a proliferação de partidos e agremiações políticas.
Após a instauração do regime democrático em 1946, o movimento sindical sofreu forte repressão. O Partido Comunista Brasileiro foi posto na ilegalidade e seus militantes sofreram perseguições e o movimento operário foi cerceado pelo aparato policial repressivo a mando do Estado.
Contudo, o aparelho repressivo do Estado não conseguiu minar a organização dos movimentos populares. No Ceará foi significativa a ação do Partido Comunista entre os trabalhadores das fábricas instaladas em Fortaleza. No bairro de Jacarecanga muitas fábricas já havia sido instaladas, o que de certo modo, favoreceu a organização dos trabalhadores na área do Pirambu, bairro localizado na zona oeste da cidade e onde residiam os trabalhadores dessas fábricas.
Nesse bairro a atuação do Partido Comunista Brasileiro era bem significativa, notadamente através do Comitê Democrático de Libertação Nacional, que juntamente com a Sociedade Feminina do Pirambu passou a organizar debates e discussões entre os moradores, sobre a questão da terra, do transporte, da água potável e da eletricidade, dentre outras necessidades básicas da população local.
Fábrica no Bairro Jacarecanga
Até o início dos anos 50 o Partido Comunista Brasileiro pode atuar livremente no Pirambu e em outros bairros de Fortaleza, pois até então a Igreja Católica ignorava os movimentos populares. Os religiosos se mantinham em silêncio, quase que totalmente alheios à vida pública, se dedicando apenas ao trabalho burocrático e as campanhas assistencialistas, que se resumia apenas à doação de esmolas aos pobres.
Essa postura de neutralidade mudou a partir das mudanças políticas nacionais, que passaram a exigir uma nova postura da Igreja diante das questões sociais.
Quando o presidente Jânio Quadros renunciou em agosto de 1961, o país se encontrava num caos generalizado. O vice-presidente, João Goulart assumiu o país mesmo diante da resistência dos ministros militares. Jango assumiu, em 7 de setembro de 1961, num quadro de parlamentarismo híbrido, associando um presidente enfraquecido a um parlamentarismo fraco. Foi um ano muito agitado, de intensa movimentação popular. As idéias do comunismo ateu deixaram os cristãos apavorados.
E foi nessa conjuntura de crise e de reivindicações das massas por reformas sociais que a Igreja reaparece em cena, através de Movimentos Leigos e de Educação de Base, a fim de recuperar o espaço perdido para os comunistas junto ao movimento popular.
Padre Hélio Campos
No Pirambu a Igreja entra em cena a partir da chegada do padre Hélio Campos em 1958, iniciando-se, pois, uma nova etapa de luta e organização dos moradores, sob o olhar disciplinador do padre, que se munindo do poder conferido pela instituição que representava e com o apoio de assistentes sociais, passa a realizar um trabalho de forte teor religioso e comunitário como forma de neutralizar a ação do Partido Comunista junto às massas.
A Igreja Católica através do padre e dos educadores cristãos assume uma postura progressista, visando o homem como um todo e passa a dar atenção especial à formação de lideranças populares e à luta contra a opressão. Ao mesmo tempo se contradiz ao pregar a necessidade incontestável das pessoas se manterem submissas às orientações da Igreja.
O padre Hélio em pouco tempo se tornou uma importante liderança no bairro e com o apoio da irmã Lindalva Miranda e da assistente social Aldaci Barbosa, passou a mobilizar toda a comunidade com o intuito de discutir os problemas, sendo que o que mais chamava a atenção de todos era a questão da terra.
Organizando um trabalho de quarteirão em quarteirão e com a ajuda do padre Hélio, os moradores realizaram a Marcha na cidade no dia 1 de janeiro de 1962, reunindo 20.000 pessoas até o centro.'(BARREIRA, 1992, p.58).
A Marcha do Pirambu segundo alguns pesquisadores foi o marco inicial da luta popular em Fortaleza. Mesmo tendo existido muitas lutas populares em nosso Estado, não podemos deixar de reconhecer que a Marcha foi um dos maiores movimentos populares em nossa cidade. Ela não foi um movimento isolado, pois fazia parte de um contexto histórico de lutas e mobilizações populares. Apesar da liderança da mesma ser atribuída ao padre Hélio, não podemos negar a efetiva participação de militantes do Partido Comunista Brasileira e de lideranças sindicais.
Na verdade, o padre Hélio, na sua forma carismática, deu uma dinâmica ao movimento sem entrar em choque frontal com o Estado e com as elites de Fortaleza. Isso reflete o caráter apaziguador do movimento. Entrando, pois, em contradição com o seu objetivo maior que era a luta por terra, trabalho e pão. Isso evidencia o esforço da Igreja Católica de tomar a direção do movimento popular no Pirambu, que sob a direção do padre Hélio Campos e do padre Arquimedes Bruno tomam a dianteira da Marcha na tentativa de excluir da mesma, a voz das lideranças sindicais e comunistas que atuavam no Pirambu na época.
Hino Do Pirambu
Não podemos negar que a Marcha do Pirambu foi um movimento político cuja participação não se restringiu somente aos padres e religiosos, mais contou com a participação de militantes do Partido Comunista Brasileiro e de líderes sindicais, dentre os quais, podemos citar: João Meneses Pinheiro, do Sindicato dos Securitários; Marcelo Alves Ribeiro, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados; José Braga da Silva, do Sindicato dos Têxteis; Francisco de Farias de Melo, do Sindicato dos Rodoviários; José Jatay, do Sindicato dos Músicos; Luciano barreira, da Federação dos Camponeses do Ceará; Jorge Pereira Nobre, do Sindicato dos Ferroviários; José Maria de Oliveira, da União dos Ferroviários; Milton Barbosa, do Sindicato dos Marceneiros; Francisco Anísio Lobo, do Sindicato dos Telégrafos; Padre Tarcísio Santiago de Almeida, da Federação dos Círculos Operários do Ceará e José de Moura Beleza, representando os Bancários e o Pacto Sindical de Fortaleza.
A Marcha do Pirambu foi um movimento popular que teve repercussão nacional, de caráter político inspirado nos ideais de Reformas Sociais defendidos na época por entidades cristãs e sindicais. Apesar de ser credito apenas a figura do padre Hélio Campos, não podemos negar a forte presença de militantes sindicais e do Partido Comunista.
A Marcha idealizada pelos moradores do Pirambu foi divulgada pela imprensa local com certo temor, principalmente quando o padre Hélio Campos afirmou que a mesma se tratava de uma advertência aos poderosos do Estado. Os jornais locais noticiaram o fato como se não fosse possível um padre e seus seguidores conseguir concentrar um número significativo de pessoas. Porém, o movimento se concretizou no dia 1 de janeiro de 1962, quando a população do bairro, após a celebração de uma missa no pátio à frente da Casa Paroquial às 16 horas, saiu marchando pelas ruas da Cidade, indo pela Avenida Francisco Sá, prolongando-se pela Rua Guilherme Rocha, Sena Madureira e finalmente Conde D’Eu, onde os manifestantes de forma pacífica passaram a ocupar os espaços da Praça da Sé.
A multidão de aproximadamente 30 mil pessoas conduzindo faixas, cartazes e gritando palavras de ordem por uma Reforma Social, assustaram os comerciantes que fecharam seus estabelecimentos e até as portas daIgreja da Sé foram fechadas, pois Arcebispo Metropolitano, Dom Antônio de Almeida Lustosa nunca assistira uma aglomeração tão grande de pessoas em tal espaço. Diante de tal fato, o padre Hélio pediu para todos ficarem sossegados, pois o movimento era pacifico e ordeiro e na ocasião pediu perdão ao Governador do Estado e demais autoridades pelo susto causado. Depois do susto, o Arcebispo fez um elogio a bravura dos moradores do Pirambu, o seu espírito disciplinado e ordeiro.
Na verdade, o grande temor da Igreja e das elites do Estado era a presença de militantes de esquerda e de sindicalistas, que pudessem tomar a direção do movimento em prol de seus ideais revolucionários. Mas o padre, com o apoio de religiosos, políticos conservadores e da imprensa local conseguiu até o último momento da Marcha manter a liderança da mesma, não permitindo que outras lideranças pudessem se manifestar a massa. E a idéia que ficou do movimento para a população de Fortaleza que se tratava de uma manifestação pacífica de favelados liderados por um padre que pregava o Amor, a Fraternidade e a Justiça Social.
A Marcha teve efeitos positivos para os moradores do Pirambu, pois ao seu término políticos influentes do Estado, como o Senhor Virgílio Távora, então Ministro de Aviação e Obras Públicas do Governo de João Goulart, que através de sua influência política conseguiu junto ao primeiro MinistroTancredo Neves a desapropriação das terras do Pirambu, fato esse que se deu através do Decreto nº 1058/62 assinado no dia 25 de maio de 1962.
Pirambu
Embora tenha conseguido a desapropriação das terras junto ao Governo Federal, o povo do Pirambu acabou perdendo uma de suas mais expressivas lideranças. Pois, decorridos os acontecimentos marcados pelo Golpe Militar de 1964, os movimentos populares foram desarticulados e suas lideranças presas ou exiladas. A Igreja e as forças da repressão no intuito de desarticular o crescente movimento de resistência dos moradores do Pirambu trataram rapidamente da transferência do Padre Hélio Campos para o Estado do Maranhão, e o Pirambu foi dividido em duas paróquias: Nossa Senhora das Graças e Cristo Redentor, originando, pois, dois bairros. A partir de então, o silêncio veio à tona e os movimentos populares acabaram se enfraquecendo e o Pirambu, de bairro operário passou a ser visto pela elite local, apenas como mais uma favela de Fortaleza.
Cristo Redentor e Pirambu
Documentário sobre o Pirambu
Referências:
Livro: Isolamento e Poder na seca de 1932- Kênia Sousa Rios ( Baixe aqui)
Artigo: A Marcha sobre Fortaleza (1962) Raimundo Nonato Nogueira(Baixe aqui)
O Partido Comunista Brasileiro (PCB) nasceu em Niterói (Rio de Janeiro), em março de 1922. Esse partido foi fundado por ex-anarquistas, operários, estudantes e intelectuais entusiasmados com o extraordinário acontecimento baseado nas idéias do socialismo científico de Marx e Engels, a revolução socialista na Rússia em 1917.
As indústrias presentes na Zona Oeste da cidade foram importantes para o fortalecimento do Partido Comunista Brasileiro, pois o mesmo passou a atuar diretamente na organização dos operários, principalmente no bairro do Pirambu.
Na década de 1920 o PCB era um pequeno partido que atuava na clandestinidade e disputava a liderança sindical com os anarquistas. Mesmo sendo um grupo pequeno, os comunistas tinham uma incrível capacidade de se organizar e lutar.
Eles editavam jornais, livros e revistas que explicavam e defendiam suas idéias e que eram distribuídos em escolas e portas de fábricas. Atuavam nos sindicatos, tentando ganhar eleições para direção e influenciar os trabalhadores.
Por atuar na clandestinidade, o Partido Comunista criou o BOC – Bloco Operário Camponês, uma fachada legal para poder concorrer às eleições. Conseguiram até eleger dois deputados federais. Aos poucos foi ganhando forças nos sindicatos de todo o país.
Em 1928, o Bloco Operário passaria a se chamar Bloco Operário e Camponês. Nas eleições para vereador pela cidade do Rio de Janeiro, o BOC indicou 2 nomes para a disputa: o intelectual Octávio Brandão e o operário Minervino de Oliveira.
No Ceará, as idéias marxistas começaram a entrar com grande intensidade por volta de 1926, quando simpatizantes do comunismo reuniram-se na antiga sede da União dos Pedreiros do Ceará para discutir as “idéias revolucionárias” e acabaram sendo influenciados pelas lideranças de tal partido.
Em 1927 foi fundado em Fortaleza o BOC - Bloco Operário Camponês, tendo a frente José Joaquim de Lima e outros sindicalistas. Nesse mesmo ano as idéias do partido começaram a se espalhar por vários municípios do Ceará.
Em 1945 o PCB foi autorizado a funcionar como partido e seus membros puderam atuar livremente. Um partido de muito sucesso graças à espetacular vitória Soviética sobre os Nazistas. Nessa época o PCB conseguiu dezenas de milhares de adeptos entusiasmados.
Nas eleições de 1945, o PCB foi um partido bem votado nas grandes cidades, chegando a eleger um senador, Luís Carlos Prestes (o mais votado do país) e 17 deputados federais. Era o quarto maior partido do país.
Luís Carlos Prestes foi eleito Senador da República pelo PCB 1945.
O crescimento do PCB passou a incomodar a classe dominante brasileira, principalmente os políticos conservadores do PSD e da UDN.
Os comunistas tiveram uma participação importante na Assembléia Constituinte de 1946, defendendo a reforma agrária e outros projetos que beneficiariam a classe trabalhadora brasileira. Suas propostas não foram aceitas pela elite que governava o país. Em 1947 o presidente Dutra proibiu o seu funcionamento. No Ceará o autoritarismo também predominou e cresceu entre os conservadores, tendo como movimento de combate aos comunistas a Igreja Católica como grande aliada.
Apesar da perseguição os comunistas conseguiram adquirir o jornal O Democrata, que passou a ser porta-voz do PCB local.
Dentre as discussões tratadas pelo O Democrata, estava a questão da terra, do transporte, da água potável e da eletricidade. Por isso, ele teve uma grande penetração nos bairros habitados por pobres e operários. Nestes bairros, o jornal possuía postos de vendas nas mecearias e nas farmácias, promovendo debates e procurando conscientizar a população a lutar por seus direitos fundamentais e da importância da organização para reivindicar melhorias como, luz, calçamento, água, segurança, etc. Combatia também a carestia, promovia campanhas de alfabetização e defendia atividades recreativas para os pobres. Por isso, o PCB teve ampla penetração nos bairros da periferia de Fortaleza, notadamente, no Pirambu, um bairro esquecido pela classe dominante local.
No Pirambu, o jornal ganhou muitos leitores e apoiadores, visto que, a presença do PCB já era um fato concreto no bairro, principalmente a partir da criação do Comitê Democrático de Libertação Nacional e da Sociedade de Defesa do Bairro do Pirambu.
Por estar ao lado dos moradores na luta por terra, trabalho e pão. O Democrata tornou-se um importante veículo de informação e de incentivo para a população do Pirambu no processo de organização. Isso pode ser evidenciado na reportagem abaixo:
“(...) os moradores não devem ter uma ilusão nos chamados ‘canais competentes’ porque o governo está com os exploradores do povo. A solução, portanto, está nas mãos dos habitantes, na sua luta contra a expulsão e por outras reivindicações de seu bairro como transporte mais abundantes, higiene, luz, calçamento, etc.” (O Democrata, 1958).
Por sua postura crítica e demonstrar estar preocupado com as necessidades dos moradores da periferia, o jornal teve uma boa circulação no Pirambu e em outros bairros de Fortaleza.
A Igreja Católica e a campanha anticomunista
Foto de Catedral Metropolitana, Fortaleza: Um dos lindos vitrais.
A Catedral de Fortaleza foi construída em 1938.
O crescimento das idéias comunistas no Ceará deixou preocupada a elite dominante do estado, que rapidamente iniciou uma ferrenha campanha anticomunista. Essa se fez sentir por duas frentes. A primeira com mais intensidade foi articulada pela imprensa, notadamente pelo jornal Correio do Ceará, órgão local dos Diários Associados - pertencente a Assis Chateaubriand – que diariamente transcrevia ásperos artigos de periódicos do sul atacando os comunistas.
A segunda frente de combate ao comunismo foi encabeçada pela Igreja Católica, uma instituição muito poderosa, cujo anticomunismo chegara a ser algo doentio. Sob a orientação do bispo de Fortaleza, Dom Antônio de Almeida Lustosa, o Clero cearense, aliado aos políticos de direita e aos latifundiários locais, passou a combater de corpo e alma o comunismo. Para tal projeto, se utilizou de todos os instrumentos possíveis. Sendo o jornal O Nordeste, um dos meios de comunicação bastante usado, além de outras instituições sob sua influência, como: os Círculos Operários Católicos, o Centro Social Arquidiocesano, a Ação Católica e a União dos Moços Católicos, promovendo uma série de palestras e seminários; intensificando, inclusive, obras de caráter assistencialistas e de caridade nos bairros pobres de Fortaleza.
Sendo a Igreja uma instituição anticomunista, seu objetivo com as obras assistencialistas e de caridade era:
“(...) resguardar para si a nobre função de proteção e apoio à classe operária, o que faz através de esclarecimentos constantes acerca das leis trabalhistas; de denúncias, de situações em que estas leis são violadas, de advertência à classe empresarial em relação às suas maquinações de abuso à classe obreira; e de aplauso ao real cumprimento dos direitos do trabalho. Na realidade, busca a Igreja conquistar a classe operária e mantê-la sob controle, longe das influências das esquerdas que no período de redemocratização se expandem no seio do movimento operário cearense." (ARAGÃO, 1987, p.9).
Seguindo sua estratégia de desestruturação do trabalho que o Partido Comunista vinha desenvolvendo no Pirambu, a Igreja enviou para o bairro o Padre Hélio Campos.
“Quando o Padre Hélio chegou em 1958, no Pirambu, a cidade se encontrava em poder dos comunistas, bem organizados. Ele não foi recebido de braços abertos pelas lideranças da época. (...) Não custou muito, o novo pároco contou com a ajuda de 72 homens, dispostos a passar até pelo fogo por ele. Cada semana o Padre dava aulas de formação e os representantes do bloco de casas, em número de 247, juntos com o seu vigário, prestavam contas publicamente, sobre tudo, que durante a semana fizeram em favor do Pirambu. No espaço de quatro anos converteu-se o Pirambu comunista, numa comunidade cristã fervorosa. Todo o poder passou a se concentrar nas mãos do Padre Hélio.”(Carlos Careca. Antigo morador do Pirambu e organizador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas).
Pelo depoimento, podemos perceber que um dos objetivos da Igreja Católica era desarticular o Partido Comunista, negando sua influência e combatendo seu trabalho na periferia da cidade.
O Padre contou logo com o apóio da classe dominante local, que ao ajudar as famílias do Pirambu, poderia propiciar um telhado seguro para muitas famílias que habitavam os casebres, deixando as crianças bem nutridas, isentas de tuberculose, podendo brincar e sorrir novamente. Por trás desse assistencialismo estava o interesse de preparar homens e mulheres decididos a combater junto com o zeloso vigário o comunismo.
Mapa da cidade de Fortaleza no ano de 1932 indicando a localização das concentrações de Matadouro e Urubu Foto: Livro Isolamento e poder Fortaleza e os campos de concentração na Seca de 1932.
A década de 1940 foi de profundas mudanças no mundo, o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos Regimes nazi-fascistas caracterizou muito bem esse período. No Brasil deu-se o fim da Ditadura do Estado Novo, iniciando-se, pois um período democrático que vigorou no país até 1964.
Foi um período de crescimento industrial e de diminuição da produção agrícola. Um verdadeiro contraste, de um lado a produção industrial crescia e do outro aumentava cada vez mais a situação de miséria da população do campo que já sofria com as secas, e agora com a fome, impulsionando assim o famoso êxodo rural que já vinha acontecendo em menor escala, porém se intensificando em 1930.
Instalada em 1926, a Fábrica de Tecidos São José, que foi durante muitos anos a maior fabricante de redes do Brasil. A empresa possuía um parque fabril que ocupava área de 26.000 metros quadrados, empregando mais de mil operários. Em 1928 a empresa construiu a Vila São José, nos arredores da fábrica, no bairro Jacarecanga. (foto do arquivo Nirez).
Em Fortaleza surgiram muitas indústrias o que de certo modo facilitou a concentração de moradores na periferia. Nesse período houve um expressivo crescimento dos movimentos populares, principalmente no bairro do Pirambu, onde era bem significativo o número de fábricas instaladas na sua proximidade, isto é, no vizinho bairro de Jacarecanga.
Foto do Mapa de Fortaleza- Em vermelho o Bairro Pirambu-
Por ser um bairro localizado na zona oeste, à beira-mar e por estar a 3 km de distância do centro da cidade, o Pirambu tornou-se um local atrativo para as famílias que devido às condições difíceis, se aventuraram a fugir do sertão, migrando para Fortaleza na procura de dias melhores.
Não só o Pirambu, mas outros bairros pobres de Fortaleza têm sua origem em decorrência dos constantes deslocamentos de lavradores sem terras e pequenos proprietários que chegavam a urbe devido à rigidez da estrutura fundiária vigente em nosso país.
Foto ilustrativas do Perfil do povo que chegaram no Bairro Pirambu-
As migrações se intensificaram mais nos períodos de estiagem mais prolongadas, quando centenas de famílias deixaram sua terra natal e se deslocaram para a capital, visto que, esta oferecia melhores condições e dispunha de empregos, nas indústrias nascentes na periferia da capital.
Muitas das famílias que chegaram do interior do estado acabaram por se abrigar debaixo de pontes ou longo das praças, ou se dispunham a vagar sem rumo pelas ruas do centro da cidade. Essas famílias passaram a procurar lugares que pudessem oferecer abrigo, mesmo que esses fossem temporários. Os becos, favelas, áreas alagadas, zonas de difícil acesso passaram então a abrigar a massa de agricultores vindos do interior, pois eram os únicos locais possíveis de moradia longe do olhar disciplinador e higienizador do poder local.
Foto do Povo vindo da Seca- Bairro Grande Pirambu
O povoamento do Pirambu se insere no contexto do intenso êxodo rural que ocorre a partir da década de 1930, e da expansão da ferrovia.
De acordo com o depoimento de um antigo morador, a ferrovia facilitou o povoamento do Pirambu.
“Quando os retirantes chegavam a Fortaleza desembarcavam na estação do Otávio Bonfim e se deslocavam para o Pirambu, onde existia um Campo de Concentração. Em pouco tempo a área concentrou uma grande massa de excluídos, que se tornaram esquecidos pelas autoridades e passaram a viver de uma maneira marginal.” (Carlos Careca. Articulador cultural do Pirambu e fundador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas).
Durante a década de 1930, O Pirambu passou a concentrar retirantes desembarcados em Fortaleza, caracterizando-se, assim, como um território habitado inicialmente por pescadores e depois por imigrantes que chegaram ao bairro e logo se alojaram nas dunas, erguendo seus barracos e casebres de papelão, barro e palha, sem perguntar, quem era o proprietário do terreno. Muitas famílias vieram nos períodos de estiagem, deixando o interior para sobreviver na capital. Assim cresceram muitas habitações, sem nenhum planejamento, sem ruas, sem luz, sem água e higiene. Nascia assim, a favela do Pirambu.
Foto do Pirambu Antigo
O que entendemos por favela?
O resultado da ação de grupos socialmente excluídos que ocuparam terrenos públicos ou privados, via de regra inadequada para a valorização fundiária e a promoção imobiliária. A ação desses grupos, que se dá espontaneamente, representa, de um lado, uma estratégia de sobrevivência e, de outro, de resistência a um sistema social que exclui parcela ponderável da população de suas benesses. (CORRÊA, 2001, p.163)
Favela do Grande Pirambu - Pirambu Antigo - História Do Bairro Pirambu-
Surgem então as primeiras favelas na orla marítima de Fortaleza, uma área inicialmente habitada por pescadores e que nos períodos de seca passará a abrigar os retirantes que chegavam à cidade.
Como uma faixa da praia geralmente era de propriedade do Ministério da Marinha, o povo do Pirambu, procurou saber se por parte deste Ministério existia alguma proibição de alojamento neste local. A resposta foi negativa. Continuou a imigração, espalhando-se sobre oito quilômetros das dunas.
O grande fluxo de pobres na orla marítima, num espaço inicialmente ocupados por colônias de pescadores, suscita a construção de uma grande favela. Nesse espaço de migração intensa, os retirantes acabaram deixando a condição de flagelados, passando a viver como favelados.
Cordel Da História Do Pirambu
Nessa perspectiva, evidenciamos a comunhão de pescadores e favelados que passam a dividir o mesmo espaço, vivendo por um determinado tempo em comunhão e sem conflitos aparentes. Contudo, a “paz” em seu efêmero espaço de tempo, cedeu lugar a conflitos pela posse da terra.
Por ser um bairro situado em local privilegiado, o Pirambu sempre representou um espaço de grande interesse por parte da especulação imobiliária. Além disso, sua proximidade ao centro da cidade, na orla marítima e das fábricas instaladas ao eixo viário da Avenida Francisco Sá, estendendo-se até a Barra do Ceará.
No ano de 1926, instala-se no bairro de Jacarecanga a indústria têxtil e de cigarros, em 1927 na Avenida Francisco Sá tem-se a fábrica de tecidos e em 1928 a Fábrica dos Urubus, da Rede Viação Cearense. (SOUZA, 1978, p.80).
A partir de 1930, Fortaleza passa por profundas transformações. Surgem ao longo da ferrovia da Avenida Francisco Sá, na zona oeste, os primeiros estabelecimentos industriais de porte, formando um verdadeiro pólo industrial no bairro de Jacarecanga. Nessa época, a população da cidade chegava à marca de 100 mil habitantes, na sua maioria operária e pessoas excluídas pela sociedade, que passam a viver segregado em favelas, espaços de moradia para aquelas que não viviam nas ruas a mendigar.
Foto Tirada do Acervo do Jornal O povo - Pirambu- na Década de 60
Nos anos 1940, a área que anteriormente era ocupada por colônias de pescadores e retirantes, passa a despertar a cobiça da classe dominante local. Inicia-se, então, um lento processo de expansão dessa área, com a instalação de chácaras e casas de Veraneio, os ricos atraídos pelas belezas naturais do lugar: o encontro do mar com o Rio Ceará, os coqueiros e as dunas, faz do Pirambu um território de elevado valor paisagístico.
Assim, motivados pela especulação imobiliária, famílias ricas de Fortaleza, passaram a reclamar junto aoMinistério da Marinha, os direitos como proprietários das terras do Pirambu.
Mas os moradores do bairro não ficaram de braços cruzados, começaram a se organizar e por meio de muitas lutas e com apoio de diversas instituições conseguiram permanecer na área sob constante tensão.
De acordo com documentos disponibilizados no Centro de Documentação do Pirambu (CPDOC), o bairro até o início da década de 1940 já abrigava um número significativo de operários que trabalhavam nas indústrias localizadas na Avenida Francisco Sá e no bairro de Jacarecanga. Nessa época era imensa a influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos movimentos populares de Fortaleza. A experiência sindical dos trabalhadores que residiam no Pirambu e a ação do PCB na periferia da cidade, foram importantes para a organização da famosa Marcha de 1962, cuja reivindicação era Terra, Trabalho e Pão.
Além da atuação do PCB, o Pirambu também contou com forte influência da Igreja Católica, principalmente após a chegada do Padre Hélio Campos em 1958. O Padre teve papel importante na conscientização dos moradores na luta pela terra, pois através do Evangelho, passou a fazer uma análise da conjuntura sócio-político-econômica da área em que residiam muitas famílias esquecidas pelas autoridades.
Padre Hélio Campos - O padre do Grande Pirambu-
O Pirambu havia se tornado em pouco tempo um bairro bastante populoso, mas a realidade era deprimente, pois faltava infra-estrutura básica, as famílias habitavam barracos sem nenhum saneamento, infestados de verminoses, as mães davam à luz no único cubículo, numa esteira de palha.
As ameaças de despejo eram constantes, o que levou o Padre Hélio Campos a adotar uma postura crítica em relação ao poder local. Tal fato pode ser evidenciado a partir de um depoimento de um antigo morador do Pirambu, onde podemos perceber a coragem do Padre na sua luta a favor dos pobres, enfrentando aqueles que se diziam proprietários das terras e as autoridades policiais.
“Uma vez, quando a polícia quis derrubar uma casa, o Padre Hélio subiu no telhado e gritou de cima, que podiam começar. (...) Ele bem organizou a sua defesa e um sistema de alarme que podia avisar no período de uma hora quarenta mil paroquianos. (...) Mesmo depois de uma declaração jurídica oficial em favor dos proprietários, o Padre continuava a defender os pobres, pois duvidava do valor e legalidade dos documentos apresentados. (...) Quando 19 famílias deviam deixar suas casas, ele mandou soltar quatro horas antes 19 foguetes, e imediatamente juntaram-se, bem em ordem, os homens do Pirambu, para impedir o trânsito nas entradas do lugar. As mulheres e as crianças formavam um círculo bem fechado, ao redor das casas comprometidas. O resultado? Não se pensa mais na possibilidade, de desterrar o povo do Pirambu, sabendo, que qualquer nova tentativa provocaria uma revolta pública na cidade, pois, os estudantes e operários entrariam logo no primeiro alarme do Padre Hélio, em ação”. (Carlos Careca. Antigo morador do Pirambu e organizador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas)
Além de mobilizar os moradores contra as ordens de despejos, o Padre Hélio passou a denunciar na imprensa a situação de miséria do povo do Pirambu e para tal contou com o apoio de jornais locais, notadamente o Democrata. Um jornal criado em 1945 pelo Senador Olavo Oliveira e adquirido em 1946 pela secção local do Partido Comunista do Brasil.
Crédito:
Artigo “O Pirambu e seus atores sociais: Do povoamento em 1930 até a Marcha de 1962.” de Raimundo Nonato Nogueira de Oliveira.
Desenho de Guga Detoni.
Textos da Pesquisadora Memorialista Leila Nobre do Blog Fortaleza Nobre.
Livro: Isolamento e Poder: Fortaleza e os campos de concentração na Seca 1932. ( Baixar em PDF)
Inicialmente, era apenas eu e minhas ideias. Essas ideias persistiram até que decidi transformá-las em ações, culminando na criação da página no Facebook. PIRAMBU PENSANTE
O Projeto Pirambu Pensante, idealizado pelo morador Jorge Lima, um jovem da comunidade, surgiu com a missão de valorizar a história do Bairro Pirambu, abordando tanto o seu passado quanto o presente. Inicialmente apresentado como uma Página no Facebook e um Blog, o projeto acumulou dezenas de trabalhos acadêmicos, fotos e relatos históricos sobre a localidade. Durante a pandemia de Covid-19, ganhou destaque ao migrar para o Instagram, atraindo milhares de seguidores e gerando publicações virais. Hoje, a página Pirambu Pensante é reconhecida como uma das principais fontes de conteúdo histórico e cultural sobre o Bairro Pirambu em Fortaleza, consolidando-se como referência para a comunidade local.
O QUE É O PIRAMBU PENSANTE?
O Pirambu Pensante transcende o mero nome de um bairro, sendo mais do que um simples adjetivo. Vai além de uma página no Facebook, Instagram ou um blog comum. Representa uma atitude, uma ação, uma semente especial plantada no deserto, destinada a se transformar, ao longo dos anos, em uma exuberante floresta verde, repleta de lagos e vida selvagem. É uma missão com o propósito de valorizar o Bairro Grande Pirambu, destacando sua história e lutas, e enaltecer aqueles que nele vivem ou viveram. Iniciado em dezembro de 2017, o projeto está gradativamente germinando, aprimorando-se, sendo adotado e desenvolvendo raízes profundas. Prepara-se para colher milhares de frutos positivos para o bairro, transformando completamente o ambiente, as percepções e as vidas de muitas pessoas. O Pirambu Pensante surge com a missão de desafiar o "status quo", alterando o estado das coisas.
Saiba quem criou o Pirambu Pensante (clicando qui )