quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

A origem do Bairro Pirambu

Mapa da cidade de Fortaleza no ano de 1932 indicando a localização das concentrações de Matadouro e Urubu Foto: Livro Isolamento e poder Fortaleza e os campos de concentração na Seca de 1932.


A década de 1940 foi de profundas mudanças no mundo, o fim da Segunda Guerra Mundial e a derrota dos Regimes nazi-fascistas caracterizou muito bem esse período. No Brasil deu-se o fim da Ditadura do Estado Novo, iniciando-se, pois um período democrático que vigorou no país até 1964.

Foi um período de crescimento industrial e de diminuição da produção agrícola. Um verdadeiro contraste, de um lado a produção industrial crescia e do outro aumentava cada vez mais a situação de miséria da população do campo que já sofria com as secas, e agora com a fome, impulsionando assim o famoso êxodo rural que já vinha acontecendo em menor escala, porém se intensificando em 1930. 


Instalada em 1926, a Fábrica de Tecidos São José, que foi durante muitos anos a maior fabricante de redes do Brasil. A empresa possuía um parque fabril que ocupava área de 26.000 metros quadrados, empregando mais de mil operários. Em 1928 a empresa construiu a Vila São José, nos arredores da fábrica, no bairro Jacarecanga. (foto do arquivo Nirez).

Em Fortaleza surgiram muitas indústrias o que de certo modo facilitou a concentração de moradores na periferia. Nesse período houve um expressivo crescimento dos movimentos populares, principalmente no bairro do Pirambu, onde era bem significativo o número de fábricas instaladas na sua proximidade, isto é, no vizinho bairro de Jacarecanga.

Foto do Mapa de Fortaleza- Em vermelho o Bairro Pirambu- 

Por ser um bairro localizado na zona oeste, à beira-mar e por estar a 3 km de distância do centro da cidade, o Pirambu tornou-se um local atrativo para as famílias que devido às condições difíceis, se aventuraram a fugir do sertão, migrando para Fortaleza na procura de dias melhores.

Não só o Pirambu, mas outros bairros pobres de Fortaleza têm sua origem em decorrência dos constantes deslocamentos de lavradores sem terras e pequenos proprietários que chegavam a urbe devido à rigidez da estrutura fundiária vigente em nosso país.

Foto ilustrativas do Perfil do povo que chegaram no Bairro Pirambu- 

As migrações se intensificaram mais nos períodos de estiagem mais prolongadas, quando centenas de famílias deixaram sua terra natal e se deslocaram para a capital, visto que, esta oferecia melhores condições e dispunha de empregos, nas indústrias nascentes na periferia da capital.
Muitas das famílias que chegaram do interior do estado acabaram por se abrigar debaixo de pontes ou longo das praças, ou se dispunham a vagar sem rumo pelas ruas do centro da cidade. Essas famílias passaram a procurar lugares que pudessem oferecer abrigo, mesmo que esses fossem temporários. Os becos, favelas, áreas alagadas, zonas de difícil acesso passaram então a abrigar a massa de agricultores vindos do interior, pois eram os únicos locais possíveis de moradia longe do olhar disciplinador e higienizador do poder local.

Foto do Povo vindo da Seca- Bairro Grande Pirambu

O povoamento do Pirambu se insere no contexto do intenso êxodo rural que ocorre a partir da década de 1930, e da expansão da ferrovia.
De acordo com o depoimento de um antigo morador, a ferrovia facilitou o povoamento do Pirambu.

“Quando os retirantes chegavam a Fortaleza desembarcavam na estação do Otávio Bonfim e se deslocavam para o Pirambu, onde existia um Campo de Concentração. Em pouco tempo a área concentrou uma grande massa de excluídos, que se tornaram esquecidos pelas autoridades e passaram a viver de uma maneira marginal.” (Carlos Careca. Articulador cultural do Pirambu e fundador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas).


Durante a década de 1930, O Pirambu passou a concentrar retirantes desembarcados em Fortaleza, caracterizando-se, assim, como um território habitado inicialmente por pescadores e depois por imigrantes que chegaram ao bairro e logo se alojaram nas dunas, erguendo seus barracos e casebres de papelão, barro e palha, sem perguntar, quem era o proprietário do terreno. Muitas famílias vieram nos períodos de estiagem, deixando o interior para sobreviver na capital. Assim cresceram muitas habitações, sem nenhum planejamento, sem ruas, sem luz, sem água e higiene. Nascia assim, a favela do Pirambu.

Foto do Pirambu Antigo 


O que entendemos por favela?


O resultado da ação de grupos socialmente excluídos que ocuparam terrenos públicos ou privados, via de regra inadequada para a valorização fundiária e a promoção imobiliária. A ação desses grupos, que se dá espontaneamente, representa, de um lado, uma estratégia de sobrevivência e, de outro, de resistência a um sistema social que exclui parcela ponderável da população de suas benesses. (CORRÊA, 2001, p.163)

Favela do Grande Pirambu - Pirambu Antigo - História Do Bairro Pirambu- 


Surgem então as primeiras favelas na orla marítima de Fortaleza, uma área inicialmente habitada por pescadores e que nos períodos de seca passará a abrigar os retirantes que chegavam à cidade.

Como uma faixa da praia geralmente era de propriedade do Ministério da Marinha, o povo do Pirambu, procurou saber se por parte deste Ministério existia alguma proibição de alojamento neste local. A resposta foi negativa. Continuou a imigração, espalhando-se sobre oito quilômetros das dunas.

O grande fluxo de pobres na orla marítima, num espaço inicialmente ocupados por colônias de pescadores, suscita a construção de uma grande favela. Nesse espaço de migração intensa, os retirantes acabaram deixando a condição de flagelados, passando a viver como favelados.

          Cordel Da História  Do Pirambu


Nessa perspectiva, evidenciamos a comunhão de pescadores e favelados que passam a dividir o mesmo espaço, vivendo por um determinado tempo em comunhão e sem conflitos aparentes. Contudo, a “paz” em seu efêmero espaço de tempo, cedeu lugar a conflitos pela posse da terra.

Por ser um bairro situado em local privilegiado, o Pirambu sempre representou um espaço de grande interesse por parte da especulação imobiliária. Além disso, sua proximidade ao centro da cidade, na orla marítima e das fábricas instaladas ao eixo viário da Avenida Francisco Sá, estendendo-se até a Barra do Ceará.

No ano de 1926, instala-se no bairro de Jacarecanga a indústria têxtil e de cigarros, em 1927 na Avenida Francisco Sá tem-se a fábrica de tecidos e em 1928 a Fábrica dos Urubus, da Rede Viação Cearense. (SOUZA, 1978, p.80).

Fábrica de Tecidos São José, de propriedade de Pedro Philomeno Ferreira Gomes. Instalou-se em 1926, no bairro Jacarecanga. Pirambu Antigo - Jacarecanga em foto 


A partir de 1930, Fortaleza passa por profundas transformações. Surgem ao longo da ferrovia da Avenida Francisco Sá, na zona oeste, os primeiros estabelecimentos industriais de porte, formando um verdadeiro pólo industrial no bairro de Jacarecanga. Nessa época, a população da cidade chegava à marca de 100 mil habitantes, na sua maioria operária e pessoas excluídas pela sociedade, que passam a viver segregado em favelas, espaços de moradia para aquelas que não viviam nas ruas a mendigar.

Foto Tirada do Acervo do Jornal O povo - Pirambu- na Década de 60 


Nos anos 1940, a área que anteriormente era ocupada por colônias de pescadores e retirantes, passa a despertar a cobiça da classe dominante local. Inicia-se, então, um lento processo de expansão dessa área, com a instalação de chácaras e casas de Veraneio, os ricos atraídos pelas belezas naturais do lugar: o encontro do mar com o Rio Ceará, os coqueiros e as dunas, faz do Pirambu um território de elevado valor paisagístico.

Assim, motivados pela especulação imobiliária, famílias ricas de Fortaleza, passaram a reclamar junto aoMinistério da Marinha, os direitos como proprietários das terras do Pirambu.


Mas os moradores do bairro não ficaram de braços cruzados, começaram a se organizar e por meio de muitas lutas e com apoio de diversas instituições conseguiram permanecer na área sob constante tensão.

De acordo com documentos disponibilizados no Centro de Documentação do Pirambu (CPDOC), o bairro até o início da década de 1940 já abrigava um número significativo de operários que trabalhavam nas indústrias localizadas na Avenida Francisco Sá e no bairro de Jacarecanga. Nessa época era imensa a influência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) nos movimentos populares de Fortaleza. A experiência sindical dos trabalhadores que residiam no Pirambu e a ação do PCB na periferia da cidade, foram importantes para a organização da famosa Marcha de 1962, cuja reivindicação era Terra, Trabalho e Pão.

Além da atuação do PCB, o Pirambu também contou com forte influência da Igreja Católica, principalmente após a chegada do Padre Hélio Campos em 1958. O Padre teve papel importante na conscientização dos moradores na luta pela terra, pois através do Evangelho, passou a fazer uma análise da conjuntura sócio-político-econômica da área em que residiam muitas famílias esquecidas pelas autoridades.

Padre Hélio Campos - O padre do Grande Pirambu-
O Pirambu havia se tornado em pouco tempo um bairro bastante populoso, mas a realidade era deprimente, pois faltava infra-estrutura básica, as famílias habitavam barracos sem nenhum saneamento, infestados de verminoses, as mães davam à luz no único cubículo, numa esteira de palha.

As ameaças de despejo eram constantes, o que levou o Padre Hélio Campos a adotar uma postura crítica em relação ao poder local. Tal fato pode ser evidenciado a partir de um depoimento de um antigo morador do Pirambu, onde podemos perceber a coragem do Padre na sua luta a favor dos pobres, enfrentando aqueles que se diziam proprietários das terras e as autoridades policiais.

“Uma vez, quando a polícia quis derrubar uma casa, o Padre Hélio subiu no telhado e gritou de cima, que podiam começar. (...) Ele bem organizou a sua defesa e um sistema de alarme que podia avisar no período de uma hora quarenta mil paroquianos. (...) Mesmo depois de uma declaração jurídica oficial em favor dos proprietários, o Padre continuava a defender os pobres, pois duvidava do valor e legalidade dos documentos apresentados. (...) Quando 19 famílias deviam deixar suas casas, ele mandou soltar quatro horas antes 19 foguetes, e imediatamente juntaram-se, bem em ordem, os homens do Pirambu, para impedir o trânsito nas entradas do lugar. As mulheres e as crianças formavam um círculo bem fechado, ao redor das casas comprometidas. O resultado? Não se pensa mais na possibilidade, de desterrar o povo do Pirambu, sabendo, que qualquer nova tentativa provocaria uma revolta pública na cidade, pois, os estudantes e operários entrariam logo no primeiro alarme do Padre Hélio, em ação”. (Carlos Careca. Antigo morador do Pirambu e organizador do grupo Quadrilha Raízes Sertanejas)

Além de mobilizar os moradores contra as ordens de despejos, o Padre Hélio passou a denunciar na imprensa a situação de miséria do povo do Pirambu e para tal contou com o apoio de jornais locais, notadamente o Democrata. Um jornal criado em 1945 pelo Senador Olavo Oliveira e adquirido em 1946 pela secção local do Partido Comunista do Brasil.

Continua...
A origem do Pirambu - Parte II

Crédito:
 Artigo “O Pirambu e seus atores sociais: Do povoamento em 1930 até a Marcha de 1962.”  de Raimundo Nonato Nogueira de Oliveira.
Desenho de Guga Detoni. 
Textos da Pesquisadora Memorialista Leila Nobre do Blog Fortaleza Nobre.
Livro:  Isolamento e Poder: Fortaleza e os campos de concentração na Seca 1932.
( Baixar em PDF

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