No Campo de Concentração dos flagelados em Fortaleza (1933).
Há em Pirambu, uma das praias cearenses, subúrbio da capital, o campo de concentração dos flagelados, onde mais de duas mil pessoas esperam sua vez de serem alistadas nos serviços públicos.
O automóvel estacionou em frente ao portão de um enorme cercado de arame farpado. Em uma latada de folhas, em redes armadas, descansavam alguns sertanejos, "guardas" improvisados. Um deles se adianta:
Não pode entrar, "sinhá dona". São "ordes".
De quem?
Do sargento.
Então ninguém pode entrar?
Lá isso pode. Conforme a pessoa.... isso é lá com o sargento.
Na folha minúscula da carteira escrevi duas linhas ao sargento. Alguns instantes depois o portão aberto de par em par deixava entrar o carro no vasto cercado onde, uns oito barracões somente cobertos em cima por folhas de zinco, abrigam a gente mais infeliz do Brasil.
Bem ao centro um pavilhão menor serve de posto médico onde são atendidas centenas de pessoas por dia, em maior número crianças.
Adiante alinham-se os banheiros; mais além a cozinha onde fervem, ao ar livre, caldeirões de campanha e latas de conduzir querosene, cheias de feijão e carne. No almoço daquele dia haviam sido consumidas: cinco sacas de feijão, dez sacas de farinha, onze quartos de boi; para as crianças tinham sido distribuídas cinco sacas de arroz, três sacas de açúcar, fora o leite e bolachas.
Um compartimento de tábuas de pinho representa a dispensa onde se balançam em cordas, mantas e mantas de carne salgada, destinada a caldo para os velhos e pessoas fracas. Aos lados, em filas paralelas, os barracões que abrigam os flagelados. Cobertos por folhas de zinco que escaldam e dão fulgurações de prata aos raios do sol, sustentados por estacas onde se prendem centenas de redes sujas, eis esse miserável lar coletivo...
Sobretudo essas redes, dão-lhe um aspecto bizarro.
Crianças, centenas de crianças esfarrapadas, rolam na areia suja ou rodeiam com os olhos cheios de curiosidades, os carros dos visitantes. Parece uma revoada de borboletas tontas de luz! Quantas delas nunca tinham visto um carro!
A nossa frente os alvos morros de areia tapam à vista o mar de esperança líquida que, como uma ironia do Destino, fica ali defronte desse coletiva desesperança humanizada, desses trapos de vidas errantes. E, como se dentro da desgraça pudesse existir uma desgraça maior, o sargento nos aponta ainda um pavilhão: - ali estão alojados os cegos, os aleijados e as viúvas. Encontramos um casal de recém-casados. Ele é claro, forte, moço. Ela, cabocla nova, de olhos brilhantes e escuros, "cabelos da cor da asa da graúna", é bem a sertaneja cantada por Heman Lima, cabocla cujo amor "é como tigipió", a fruta silvestre: pouca, é doce e saborosa; muita, é amarga e venenosa....
Mais ao longe, na orla da mata, a capela construída pelos próprios flagelados. Um crucifixo, uma imagem da Virgem e outra de São José. Rosas, muitas rosas de papel. Diante desse altar o Amor tem unido duas vidas infelizes numa só. Naquele dia verificaram-se oito batizados e alguns casamentos. Apesar disso o "flirt" merece ali severa fiscalização. Noite e dia estão de prontidão vinte e cinco "vigias". Até o sacristão achava-se recolhido ao xadrez do "campo" por ter sido pilhado em "flirt" com garbosa morena....
Texto da escritora Suzana de Alencar Guimarães, da Academia de Letras do Ceará.
Fonte: Revista Brasil Feminino (RJ) - fevereiro de 1933.
Fotografias do campo do Pirambu, quando da visita da escritora.
Geografia do Campo de concentração do Urubu - Bairro Pirambu
" Jornalistas e excursionista em visita ao Campo de Concentração de Pirambu , vendo-se ao centro as Irmãs de Caridade que cooperam na assistência as vítimas da seca , e ao fundo os barracões improvisados em que se abrigam os retirantes " , o ano é 1932
Fonte : A Noite (RJ)
" No Cruzeiro a bordo do navio Almirante Jaceguay , sem dúvida o aspecto que mais impressionou aos turistas foi o CAMPO DE CONCENTRAÇÃO de flagelados em PIRAMBU , um pitoresco arrabalde de Fortaleza , onde existem cerca de 3.000 pessoas ali aglomeradas . " , o ano é 1932
Fonte : A Noite (RJ)
Época da Segunda Grande Guerra Mundial e um mosaico da Fortaleza Antiga, composto por várias fotografias aéreas militares, do acervo Nirez, de 1944, comprova o passado da nossa cidade, mostrado por intermédio de várias postagens realizadas pelo grupo. Devido à extensa área fotografada, resolvi concentrar na região Oeste a minha avaliação, conforme a numeração:
01 - É o traçado do ramal ferroviário da Barra do Ceará (anos 20), ligando a estação Floresta até aquele litoral, representado hoje pela rua 20 de janeiro;
02 - A conhecida avenida Francisco Sá (anos 20/30), que foi estendida da praça do Liceu até onde funcionava o hidroporto da Barra, permitindo que os passageiros daqueles aviões acessassem o centro da capital rapidamente;
03 - Entre as dunas do Pirambu (extensas) e as oficinas ferroviárias, o local ainda demarcado pela retirada da vegetação, do campo do Pirambu, que em 1932 foi o local destinado pelos governantes para alojar os flagelados cearenses, que não deveriam ocupar o centro da cidade. Foi local de visitação turística quando do funcionamento:
04 - O traçado único do loteamento Floresta, da Boris Freres Cia Ltda, aberto nos anos 30;
05 - As oficinas modernas da Rede de Viação Cearense, inauguradas na parte final dos anos 20, conhecidas até hoje como "oficinas do Urubu" e em pleno funcionamento;
06 - A localização do hidroporto da Barra do Ceará, primeiro local do funcionamento regular de linhas aéreas, possibilitando a ligação "rápida" com o Brasil e o mundo.
Em um primeiro momento fica difícil entender uma fotografia aérea, mas com calma encontrará outros pontos que não revelei aqui.
- Fotografia do acervo Nirez.
Texto : Antônio Neto página Fortaleza antiga